segunda-feira, 5 de outubro de 2009

Alargavam?!

O romance Vidas Secas, de Graciliano Ramos, começa maravilhosamente assim:

“Na planície avermelhada os juazeiros alargavam duas manchas verdes.”

O leitor lê e poderia se perguntar: — Como é que juazeiros podem alargar manchas verdes? Como é que uma árvore pode alargar manchas?

(É lógico que o leitor não vai ter essas dúvidas, porque o leitor também não é bobo. E continua lendo:)

“Os infelizes tinham caminhado o dia inteiro, estavam cansados e famintos.”

Você conhece a história de Vidas Secas: no sertão nordestino, uma família de retirantes – Fabiano, Sinhá Vitória e dois filhos, mais a cachorra Baleia e um papagaio – busca um lugar de sobrevivência. Leia a continuação:

“Ordinariamente andavam pouco, mas como haviam repousado bastante na areia do rio seco, a viagem progredira bem três léguas. Fazia horas que procuravam uma sombra. A folhagem dos juazeiros apareceu longe, através dos galhos pelados da catinga rala.”

Aí você vê porque que o artista é artista. Em vez de escrever que dois aglomerados verdes de juazeiros ao longe iam ficando maiores à medida que o grupo caminhava em direção a eles, Graciliano sintetizou: alargavam. Esse verbo, sozinho, consegue traduzir a ideia de caminhar do grupo, de seu movimento, de seu modo de perceber dinamicamente a realidade, como se ela estivesse se mexendo também.

“Os juazeiros aproximaram-se, recuaram, sumiram-se. O menino mais velho pôs-se a chorar, sentou-se no chão.”

Não é uma maravilha? Melhor até que sorvete de chocolate, não acha? Bem, alguém pode preferir o sorvete, mas que a língua portuguesa é uma delícia, isso é.

Um comentário:

  1. Na intenção de divulgar o meu trabalho, cheguei até aqui. Muito bom o seu espaço, gostei bastante. Certamente voltarei mais vezes. Aproveito para convidar a conhecer FOI DESSE JEITO QUE EU OUVI DIZER...em http://www.silnunesprof.blogspot.com
    Se você gosta de histórias, garanto que vai gostar.
    Saudações Florestais !

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