sábado, 7 de novembro de 2009

Provérbios antiquados (II)

1 - Esse he meu amigo que moe no meu moinho.
2 - O que muyto quer, a pouco devén.
3 - Vencer a lingoa he mais que vencer arrayaes.

Cantiga VII (séc. XVI)

Comigo me desavim,
No estremo som do perigo :
Não posso aturar comigo,
Nem posso fugir de mim.

Com dor, da gente fugia,
Antes que esta assi crecesse ;
Agora já fugiria
De mim, se de mim podesse.
Que meo espero ou que fim
Do vão trabalho que sigo,
Se trago a mim comigo,
Tamanho imigo de mim ?

domingo, 1 de novembro de 2009

A língua

A língua é tudo que existe
Ela está entre todas a coisas
Ela está entre mim e o mundo

Ela está entre mim e ti
Está até entre mim e eu

segunda-feira, 5 de outubro de 2009

Alargavam?!

O romance Vidas Secas, de Graciliano Ramos, começa maravilhosamente assim:

“Na planície avermelhada os juazeiros alargavam duas manchas verdes.”

O leitor lê e poderia se perguntar: — Como é que juazeiros podem alargar manchas verdes? Como é que uma árvore pode alargar manchas?

(É lógico que o leitor não vai ter essas dúvidas, porque o leitor também não é bobo. E continua lendo:)

“Os infelizes tinham caminhado o dia inteiro, estavam cansados e famintos.”

Você conhece a história de Vidas Secas: no sertão nordestino, uma família de retirantes – Fabiano, Sinhá Vitória e dois filhos, mais a cachorra Baleia e um papagaio – busca um lugar de sobrevivência. Leia a continuação:

“Ordinariamente andavam pouco, mas como haviam repousado bastante na areia do rio seco, a viagem progredira bem três léguas. Fazia horas que procuravam uma sombra. A folhagem dos juazeiros apareceu longe, através dos galhos pelados da catinga rala.”

Aí você vê porque que o artista é artista. Em vez de escrever que dois aglomerados verdes de juazeiros ao longe iam ficando maiores à medida que o grupo caminhava em direção a eles, Graciliano sintetizou: alargavam. Esse verbo, sozinho, consegue traduzir a ideia de caminhar do grupo, de seu movimento, de seu modo de perceber dinamicamente a realidade, como se ela estivesse se mexendo também.

“Os juazeiros aproximaram-se, recuaram, sumiram-se. O menino mais velho pôs-se a chorar, sentou-se no chão.”

Não é uma maravilha? Melhor até que sorvete de chocolate, não acha? Bem, alguém pode preferir o sorvete, mas que a língua portuguesa é uma delícia, isso é.

domingo, 4 de outubro de 2009

Provérbios antiquados (I)

1 - Bem sabe o gato cujas barbas lambe.
2 - A ádem, a molher e a cabra é má coisa sendo magra.

3 - A minha Tareja, quanto vê tanto deseja.
4 - Cuidão os namorados que todos tem os olhos quebrados.
5 - Nom semeou quen passarinhos receou.
6 - Quã lonje d'olhos tã lonje de coraçom.

Vilançete do Conde de Vymioso (séc. XV)

Meu bem, sem vos ver
se vyuo huũ dia,
vyuer nam queria.

Caland'e soffrendo
meu mal sem medida,
myl mortes na vyda
synto nam vos vendo;
e poys que vyuendo
moyro toda vya,
vyuer nam queria.